quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O ponto de partida - Conto: "Pedro das Malas- Artes"


Pedro das Malas-Artes
Esta história faz parte de um antigo manual de Língua Portuguesa Selecta do 5º ano e que está repleto de contos de todos os tipos. Gostei muito dela pois faz parte do património oral português (a minha avó contava-ma na minha infância) e é muito engraçada. A recolha para a construção desta versão foi efectuada pelo famoso escritor português Teófilo Braga. Aqui a transcrevo:

" Uma pobre mulher tinha um filho, que era assim atolado, e porque nunca fazia nem dizia nada acertado chamavam-lhe o Pedro das Malas-Artes. A mulher não tinha senão aquele filho, e por isso estimava-o. Um dia trouxe a mulher para casa uma teia de linho, que tinha deitado, e disse:
- Este pano é para nós taparmos os nossos buraquinhos.
Assim que a mãe saiu, e se demorou na missa, o filho foi à tela de linho, cortou-a em bocadinhos e começou a metê-los pelos buracos das paredes do casebre. Quando a mãe chegou, ele disse-lhe muito contente:
- Mãe, olhe como estão tapados os nossos buraquinhos.
A mãe conheceu a tolice, lamentou os seus pecados e fê-lo prometer que nunca mais tornaria. No dia seguinte disse ao filho que fosse à feira comprar um bácoro e o trouxesse para casa. Esperou, esperou, e como o filho não acabava de vir, foi a ver se o encontrava; achou-o caído no chão com o porco em cima de si, porque tinha entendido que o havia de trazer às costas, e ele era bastante pesado. A mulher chorou, afligiu-se e explicou:
- Isto traz-se para casa, com um cordelzinho amarrado pelo pé, e toca-se para diante com uma varinha.
Pedro das Malas-Artes ouviu aquilo para seu governo; passados dias, a mãe mandou-o que fosse à feira comprar um cântaro. Quando ele chegou a casa trazia só a asa.
- Que é isto, Pedro? Onde está o cântaro que te mandei buscar?
Disse ele à mãe:
- Amarrei-lhe um cordelzinho pela asa, e toquei-o para diante com uma varinha; fiz como minha mãe me disse no outro dia.
A mãe tornou a lamentar-se e disse-lhe:
- Se tu tivesses tido juízo, trazias o cântaro na mão, ou então entre palha, nalgum carro que viesse para as nossas bandas.
Vai disto mandou-o a uma loja comprar um vintém de agulhas; como ia passando um carro de palha aproveitou a ocasião e despejou as agulhas entre a palha. Chega a casa, e a mãe pergunta-lhe pelas agulhas.
- Vêm aí no carro da palha do nosso vizinho; botei-as lá como minha mãe me disse no outro dia.
A mãe já estava cansada de tanta tolice, e já tinha medo de o mandar a algum recado. Um dia comprou tripas para guisar para o jantar e disse a Pedro das Malas-Artes:
- Vai ali à beira do rio lavar essas tripas, e não mas tragas cá sem que estejam bem limpas.
- Mas como é que hei-de saber que as tripas estão limpas?
- Pergunta a alguém, que te diga.
Foi Pedro das Malas-Artes lavar as tripas; lavou, tornou a lavar e, como não passava ninguém, lavava que lavava. Até que ao longe viu vir um barco à vela e a remar, porque havia calmaria, e pôs-se a acenar e a chamar. A gente do barco, pensando que era algum passageiro, abicou à praia, lutando contra a corrente, quando Pedro das Malas-Artes perguntou:
- Olhem lá: os senhores dizem-me se estas tripas já estão bem lavadas?
A gente do barco ficou desesperada, saltaram em terra, deram-lhe muita pancada e disseram por fim:
- O que tu deves dizer é que sopre muito vento.
Foram-se embora. Pedro das Malas-Artes ia para casa, e aconteceu passar por um campo onde se andava ceifando o trigo e armando as paveias, e começou a dizer:
- O que é preciso é que sopre muito vento, que sopre muito vento.
A gente que andava ceifando ficou desesperada, e vieram bater-lhe, dizendo:
- Ó maroto, não sabes que o muito vento nos espalha o trigo todo? O que é preciso é que não caia nenhum.
E deixaram-no ir-se embora. Foi-se Pedro, e passou por um campo onde estavam uns homens armando uma rede para apanhar pássaros, e começou a dizer.
- O que é preciso é que não caia nenhum, que não caia nenhum.
Vêm os homens da rede, bateram-lhe muito, e clamaram:
- O que tu deves dizer é que assim haja muito sangue.
Passa Pedro por um caminho onde estavam dois homens engalfinhados brigando, e outros também querendo apartá-los, e entra a dizer em altos gritos:
- Assim haja muito sangue, assim haja muito sangue!
Já se sabe, vieram ter com ele e deram-lhe muitas pancadas e disseram-lhe:
- O que tu deves dizer é que Deus os desaparte, Deus os desaparte.
Vai-se Pedro das Malas-Artes por ali adiante, quando vinha um grande acompanhamento com um noivo e noiva que acabavam de se casar. Começou ele:
- Assim Deus os desaparte, assim Deus os desaparte!
Os convidados deram-lhe muita pancada e disseram:
- Ó homem, o que tu deves dizer é que destes cada dia um.
Indo mais para diante, encontra o enterro de um homem muito estimado na terra, e entra a bradar:
- Destes cada dia um, cada dia um!
A gente que vinha no enterro não teve mão que lhe não batesse muita pancada, e disseram-lhe:
- O que você deve dizer é que Nosso Senhor o leve direitinho para o céu.
Vai mais adiante, e vinha passando um baptizado, e começa Pedro das Malas-Artes:
- Nosso Senhor o leve direitinho para o céu!
Os padrinhos da criança tomaram aquilo por mau agouro e desancaram Pedro das Malas-Artes, que botou a fugir e, se não chegasse a casa, ainda andava a levar pancadas por esse mundo...

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